Eduardo Vieira da Costa
Guaragna
No mês de novembro comemora-se
o Mês Mundial da Qualidade, havendo um dia especifico ao Dia Mundial da
Qualidade, sendo aquele que corresponde a 2ª quinta feira do mês (neste ano,
dia 12). Tradição de mais de 60 anos, no mundo.
Convido-os a uma reflexão
sobre o papel da qualidade e da gestão na construção de um Brasil melhor, próspero
para todos.
Temos vivenciado mudanças,
quer sejam próprias ou impostas. Temos a ilusão de que controlamos o que pode
acontecer, fazemos planos e acontece o inesperado. A Covid-19 é o exemplo mais
atual. Planos, temos que tê-los, com certeza é melhor com eles do que sem. Mais
importante é a direção, pois o caminho pode mudar, e muda certamente. Olhamos os
acontecimentos e o que acontece em várias instâncias e nos perguntamos. Que
mundo é esse? Para onde vamos? A pandemia alertou para problemas escondidos sob
o tapete da prosperidade, embora a forma de busca da prosperidade já se
mostrasse esgotada em sua estrutura tradicional de fazer as coisas.
O nosso país é rico, é
humano, tem recursos abundantes, tem pessoas criativas, tem a maior reserva
verde do mundo, energia limpa em primeiro lugar no mundo, o agronegócio
alimentando o mundo, tudo... mas... não decola. Agora a pista está mais longa,
pois a Covid-19 está exigindo uma carga maior na nossa aeronave. Reformas precisam
acontecer, sendo necessárias, mas ainda insuficientes por que a transformação
requer mais que isso. Quando olhamos a história da humanidade nos deparamos com
grandes mudanças e líderes que as conduziram. Líderes notáveis surgem em
grandes crises. Muitos deles dedicados a ações em momentos de guerra, ou de
busca de igualdade de direitos, conquistas contra discriminação, busca de
libertação do seu país, liberdade religiosa, entre tantos. Assim, nos
acostumamos a ver e a colocar grande parte do êxito da mudança e do seu
resultado na ação corajosa de líderes e quando algo vai muito mal dizemos que
falta liderança, que faltou o líder.
No mundo de hoje, acredito, é
mais difícil apontarmos uma liderança que se sobressaia comparativamente
àquelas do passado. Felizmente não temos uma guerra mundial, nem invasões
alienígenas que nos provoquem uma mobilização total. Porém essa acomodação nos
tira o senso de urgência para fazermos o que precisa ser feito. Infelizmente a
Covid-19 bateu à nossa porta e está nos mostrando que temos sim uma crise
mundial. Crise de natureza comportamental que reflete nas pessoas, nas
organizações, nas instituições, no trabalho, na economia, enfim na vida de cada
um de nós. Comportamental? Sim, pois a
forma pela qual muito dos influentes (políticos, empresários, financistas, pessoas
da mídia, etc.) vinha conduzindo as coisas não mais se sustentam numa visão do que
é ser uma sociedade de qualidade.
Proponho que olhemos o papel
da qualidade e da gestão numa visão ampla de sociedade brasileira.
Qualidade numa visão ampla de
sociedade, do que se trata? Trata da totalidade de características de um
produto, serviço, de um bem ou atividade fundamental (infraestrutura, educação,
saúde, segurança, serviço de administração pública e etc.) que satisfaça as
necessidades explícitas e implícitas das partes interessadas envolvidas,
incluindo é claro o cliente.
O que vem exigindo maior
atenção nessa visão de sociedade? Dois aspectos:
1- A explicitação de que a
qualidade não é apenas um atributo ao mercado e negócio de organizações, necessário
a geração de riqueza e de bem-estar. Inclui também àqueles bens e serviços
fundamentais às necessidades básicas à vida e ao crescimento e realização
pessoal e profissional de cada brasileiro hoje e no futuro, como parte
interessada impactada pela qualidade.
A qualidade é coisa do
passado, ouve-se em algumas ocasiões. Grande engano. Sem qualidade não há
competitividade. Sem qualidade a produtividade tem seus custos elevados. Sem qualidade
a inovação não irá satisfazer as necessidades e expectativas do cliente. Sem
qualidade nos bens e serviços fundamentais não há como atender as necessidades
dos cidadãos. Quem irá comprar de alguém que não satisfaça as suas necessidades
ou que cause dano a alguma parte interessada envolvida? Acredito que apenas
aqueles que vivem num ambiente fechado, sem opções. No caso de bens e serviços
fundamentais, sem qualidade, o que resta é lamentar sua ausência e viver as
consequências ou buscar vias alternativas nem sempre disponíveis.
2.
As partes
interessadas estão mais exigentes nas suas relações e são mais amplas que o foco
no cliente, podendo ter tanta influência quanto ele, o cliente. Temos maior
consciência que vivemos num ambiente sistêmico onde o que se produz tem
impactos ambientais, sociais, afora os econômicos e que precisam ser
considerados. Cada vez mais a sociedade e o cliente consumidor passam a
demandar por esta mudança de comportamento nas corporações, organizações e no
próprio governo.
Movimentos tais
como Business Roundtable - BRT,
Capitalismo Consciente ou Responsável com foco nas partes interessadas, Empresa
B, exigência de uso de critérios de conduta ESG (Enviromental, Social,
Governance) por parte dos donos de capital (tipo Fundo BlackRock) e ações de
conservação da eco diversidade passam a ser considerados pelas organizações e
entidades de governo, como parte de suas estratégias para atender a estas
exigências. Isso pode elevar a atenção dos lideres empresariais e governo para
aspectos até então relegados a um plano secundário nas atenções. O que será
muito bem-vindo.
O que isso demandou?
Por uma gestão mais eficaz, de excelência. Gestão eficaz ou de excelência do que se trata?
Está em fazer certo
(sem erros) e de forma eficiente (melhor uso dos recursos) a coisa certa (o que
atende as partes interessadas).
Isso envolve bons
projetos, processos, pessoas capazes, bom uso dos recursos e tecnologias, atender
as necessidades e expectativas do cliente e demais partes interessadas
envolvidas. Qualidade, produtividade e inovação fazem parte disso, sem o que
não há competitividade (fig.1).
Fig.1 – Gestão eficaz para a competitividade
Assim, estamos num
momento de fazer uma grande virada, não apenas pela crise advinda da Covid-19,
como também da necessidade de fazermos frente à entrega da qualidade e gestão às
partes interessadas, impactadas nesse novo contexto. Estima-se que o país tenha
voltado aos níveis de 10 anos atrás, pela Covid-19. Quem sabe não estamos
diante de uma grande motivação para termos um propósito comum?
Que propósito seria
esse?
Quem não desejaria
viver num país bem sucedido, com emprego, renda, bem-estar social, saúde, qualidade
de vida, num ambiente saudável onde as pessoas tenham oportunidade de
crescimento, desenvolvimento e realização? Acredito que de sã consciência
ninguém abriria mão disso.
Assim, os produtos,
serviços e atividades são todos aqueles necessários a realização desta causa,
incluindo os oferecidos pelas organizações de mercado cuja contribuição é
relevante para a geração de riqueza e também aqueles que são oferecidos como
bens e serviços fundamentais, geralmente fornecidos pela administração pública
e terceiro setor, segundo os conceitos de qualidade numa visão ampla de
sociedade.
Como iniciar essa
transformação?
Mudanças ocorrem por duas
vias (fig. 2). Do indivíduo para a sociedade e da sociedade para o indivíduo. A
partir de um propósito comum, aceito
como válido cada um de nós assume o compromisso e passa atuar no seu círculo de
influência. Adotamos uma atitude, mudamos nosso comportamento, influenciamos a
mudança de comportamento nos grupos, até que haja disseminação para este
propósito se tornar prática normal na sociedade, ou seja, esteja inserido na
cultura do país. Mudanças desta magnitude demandam pelo menos 1 a 2 gerações.
Japão, cerca de 30 anos, Coreia do Sul, 40 anos. Acredito que se adotarmos esse
compromisso comum, em 20-30 anos seremos outro país, pois não estamos iniciando
do zero agora.
Fig.2 - Vias da mudança
Da mesma forma há diversos
níveis de influência onde a mudança pode ser impulsionada (fig. 3 – instâncias
de influência). Sem dúvida o nível maior compete ao governo, pois a ele cabem
as diretrizes regulatórias para a produção de bens e serviços, ditos de consumo
e de mercado, assim como a entrega ou viabilização de oferta de bens e serviços
fundamentais a sociedade. Esse é seu papel que se espera ser coerente com a visão
ampliada da qualidade na sociedade e sua profundidade na aplicação.
Um aspecto fundamental sem o
qual a transformação não acontece esta na ação do governo em definir políticas
e criar um ambiente competitivo que permita escalar a sociedade para níveis de
renda acima do nível médio, ou seja, que supere a “armadilha da renda media”.
Conforme Russo (2020)
a armadilha da renda média é o risco de que um país, depois de transitar em
níveis baixos de renda para níveis médios, não venha conseguir manter o ritmo e
nem ascender aos patamares superiores de renda, como em países desenvolvidos.
Inicialmente a acréscimo de renda no nível inferior ocorre pela passagem de
atividades de subsistência para atividades mais modernas, pelo uso de
tecnologias existentes, sem necessidade de muita escolaridade. Para ascender em
renda a outro patamar é preciso maior escolaridade e inovação, menos imitação,
demandando por níveis de educação mais elevados, assim como instituições que
permitam a economia rodar a baixos custos transacionais, por que as operações
tornam-se mais complexas. É o que tradicionalmente dizemos aspectos de
infraestrutura e do chamado Custo Brasil. Assim, o
Brasil tem uma renda média, mas ele tem pedaços de renda baixa, havendo uma
parcela da população com atividades de baixa produtividade, cada vez menos,
felizmente. Mas tem pedaços de economia avançada, digna de países
desenvolvidos. A título de informação, o IBGE publicou os dados de 2019 e as
rendas médias anuais/per capita são as seguintes:
R$ 61.296,00
pra quem tem Escolaridade Superior completa; R$ 21.456,00 para quem tem Ensino
Médio completo; R$ 11.016,00 para quem não tem instrução. A renda media/per
capita situou-se em R$ 27.696,00. Cerca de 50% da população tem R$ 5.256,00 de
renda média/per capita. Veem-se grandes disparidades de renda e com
desigualdades sociais, certamente. Estima-se que esta diferença, em 2020,
esteja maior, elevando ainda mais a desigualdade social.
No nível
intermediário temos as corporações, organizações, órgãos e instituições,
incluindo o 3º setor, responsáveis pelos produtos e serviços, de bens de
consumo e mercado (organizações) e bens e serviços fundamentais (3º setor e
governo), atuando com foco na qualidade ampliada para a sociedade e visão
sistêmica.
Por fim, no nível onde as
coisas acontecem, de fato. São pequenos núcleos organizacionais, sociais,
políticos, informais de qualquer natureza ou até mesmo no nível de ação
individual, impactando o cidadão. Para
chegarmos bem sucedidos a esse nível e termos condições de evoluir na inserção
do propósito comum como parte da cultura no Brasil, é preciso desenvolver a
educação, a começar pelo ensino fundamental.
A educação ensina a pensar,
questionar, formar competências que são fundamentais a que haja um
comportamento pró-qualidade.
Fig. 3 – Instâncias de influência
Como devem agir os líderes
nessa transformação?
De forma aberta, inspiradora
e motivadora das pessoas, com foco na realização do propósito comum, segundo
seu nível de influência.
Uma vez que cada ambiente tem
suas características especificas, no que se refere a conhecimentos, maturidade
e progressos, é possível que haja formas e estilos de liderança mais eficazes
(fig.4).
Estilo E1: Determinação. Pode
ser mais eficaz quando da definição da direção e de políticas pela alta administração
de organizações e órgãos do governo, tais como os direcionadores, reformas
estruturantes, etc.;
Estilo E2: Orientação. É o
estilo que demanda alta convivência e envolvimento do líder com seus liderados
na construção das ações e na educação da equipe para o objetivo, sendo eficaz
para promover o seu entendimento, atuando como um coach.
Estilo E3: Compartilhamento. Apropriado
na definição das ações pelo grupo com grande participação do líder, dando a sua
contribuição técnica;
Estilo E4: Delegação. Ótimo
estilo quando todos sabem o que fazer e fazem de forma consistente e
descentralizada, com autonomia. Exige conhecimento e maturidade elevada da
equipe.
Fig. 4 – Papel dos Líderes
Como evoluir na direção do propósito
comum?
Existem diversas formas na
abordagem de sistemas. Particularmente gosto do alinhamento entre
Princípios-Pessoas-Processos-Resultados, ou seja, de um sistema de gestão que
leve a resultados e que seja melhorado com os aprendizados em cada elemento
deste sistema como mostra a fig. 5. A excelência é obtida quando estes
elementos juntos desempenham resultados excepcionais, obtidos pelas ações de
melhoria em cada etapa, decorrente dos aprendizados realizados. Cada núcleo (governo,
organização, órgãos, núcleos, etc.) pode aplicar estes conceitos nas suas ações
de qualidade e gestão eficaz.
O propósito comum seria o
principio orientador da formação/educação das pessoas, definição dos
processos/ações e que levaria aos resultados desejados.
Fig. 5- Gestão da busca e realização do propósito
comum
Assim, desenvolver uma
cultura de qualidade que seja o alicerce da prosperidade do Brasil, com
organizações competitivas e responsáveis social e ambientalmente, com pessoas
usufruindo de qualidade de vida, trabalho e renda e uma sociedade mais justa, é
sim uma meta possível.
É preciso vontade,
determinação e ação de comunidades de líderes, não heroicos, mas de cada um de
nós, dentro do nosso nível de influência fazendo a diferença.
Pense nisso não apenas no Mês
Mundial da Qualidade. Inicie com e em você a mudança que deseja realizar.
Boa leitura!
Eduardo Vieira da Costa Guaragna é Acadêmico da ABQ, atual Diretor - Presidente.
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